Almada homenageia Rui Mendes, 'o ator que queria ser sinaleiro'

22-06-2020

A 37.ª edição do Festival de Almada, a decorrer de 3 a 26 de julho, homenageia o ator e encenador Rui Mendes, que considera "um dos mais significativos servidores públicos das artes de palco em Portugal".

Aexposição 'O ator que queria ser sinaleiro' vai estar no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, durante todo o festival, recordando a carreira de mais de 60 anos de Rui Mendes, contados a partir da estreia no Teatro do Gerifalto, em 1956, aos 19 anos.

É uma exposição necessariamente "condensada", diz a organização, tendo em conta que o ator assumiu centenas de personagens, passou por quase todas as companhias, todos os palcos, pela rádio e a televisão, por todos os géneros, da comédia ao drama, dos clássicos às telenovelas.

O título da mostra tem origem em memórias de Rui Mendes: em criança queria ser sinaleiro, para dar ordens, mas a descoberta do cinema tornou inevitável a representação, mesmo depois do curso de Arquitetura, que não acabou.

Esteve nos primeiros grupos independentes, como o Teatro Moderno de Lisboa, foi cofundador do Grupo 4, trabalhou na companhia Adóque, no Novo Grupo-Teatro Aberto, na Cornucópia, no D. Maria II, interpretou Beckett, Ionesco, Brecht, Shakespeare, Molière, trabalhou com encenadores como Francisco Ribeiro (Ribeirinho), Adolfo Gutkin, João Lourenço, João Mota, Luis Miguel Cintra, Fernanda Alves, Tiago Rodrigues, filmou com Ernesto de Sousa, Manoel de Oliveira, João Mário Grilo, António de Macedo.

Foi o protagonista de Duarte & Companhia, entrou em telenovelas e séries de televisão como "Uma Cidade como a Nossa", "Gente Fina É Outra Coisa", "Um Amor feliz", "Chuva na Areia". Fez teatro radiofónico e dobragens, foi a voz de Beethoven, do Grande Smurf, de Winnie the Pooh.

"Uma vida e obra tão cheias e ricas", que "seria difícil, impossível até, conseguir mostrar e falar de tudo", escreve o cenógrafo José Manuel Castanheira, sobre a montagem da mostra, para o Festival de Almada.

Por isso, "em vez do dispositivo para a habitual viagem pela galeria", haverá "um só contentor pronto para o embarque, uma exposição enclausurada, e forçosamente condensada (...), uma composição de fragmentos acompanhados de um atlas particular", prossegue o responsável pela mostra, no texto publicado no 'site' do festival.

José Manuel Castanheira estabelece assim "o desafio" para "uma visita imaginária": "Cabe a cada um inventar novos percursos", neste "microuniverso dedicado ao ator Rui Mendes".

Para a Companhia de Teatro de Almada (CTA), que organiza o festival, "a homenagem reconhece o inestimável contributo [do ator] para o desenvolvimento de uma nova forma de estar no teatro, no cinema e na televisão, uma participação desde sempre marcada por uma forte motivação cívica".

José Manuel Castanheira assina ainda a instalação "O sonho de J.", com que prossegue a série "Manual de sobrevivência de um cenógrafo".

Esta edição do festival também vai manter os Colóquios na Esplanada, com atores e encenadores, apresentar o livro "O que pode ser visto", do encenador alemão Hajo Schülere, resultante dos 'workshops' do ano passado, e contar com a coreógrafa Madalena Victorino, para as oficinas deste ano de "O Sentido dos Mestres".

Ao todo são 17 espetáculos, com 14 produções portuguesas e três estrangeiras, repartidas por 90 sessões, cinco palcos em Almada (Teatro Municipal Joaquim Benite, Fórum Municipal Romeu Correia, Incrível Almadense, Academia Almadense e Teatro-Estúdio António Assunção) e um palco em Lisboa (Centro Cultural de Belém). Desta vez, sem a Escola D. António da Costa, nem outros palcos na capital.

A 37.ª edição do Festival de Almada, a decorrer de 3 a 26 de julho, vai permitir "tomar o pulso à criação teatral portuguesa", uma consequência da pandemia da covid-19, que a organização vê como uma oportunidade.

Festival de Almada vai 'tomar o pulso' ao teatro em Portugal

O festival conta apenas com três estruturas estrangeiras, para 14 portuguesas, com outras tantas produções, três delas em estreia, três criações adiadas durante o período de confinamento, como disse à agência Lusa o diretor artístico da Companhia de Teatro de Almada (CTA), Rodrigo Francisco, que organiza o festival.

"Bruscamente no Verão Passado", de Tennessee Williams, texto dos anos de 1950, sobre a repressão da homossexualidade, pelo Teatro Experimental de Cascais (TEC), de Carlos Avilez; "As Artimanhas de Sapin", comédia de Molière, pelo Teatro da Comuna, com encenação de João Mota; e "Instruções para Abolir o Natal", de Michael Mackenzie, sobre efeitos da crise financeira de 2008, pela ACTA - A Companhia de Teatro do Algarve, são as três estreias anunciadas.

Artistas Unidos, Barba Azul, Teatro do Bairro, os teatros nacionais D. Maria II e S. João, o Teatrão, de Coimbra, A Turma, do Porto, e projetos como o do ator e encenador André Murraças e da atriz Luísa Cruz, com o cineasta João Botelho, são outras propostas portuguesas, que retomam projetos recentes.

É o caso de "Turismo", peça de Tiago Correia, sobre fenómenos de gentrificação, especulação imobiliária e despejos, com base numa investigação feita em diferentes centros urbanos.

Estreada por A Turma, no Teatro do Campo Alegre, no Porto, no final de janeiro, esta peça esteve na origem da polémica que levou à demissão de Regina Guimarães do Conselho Municipal de Cultura da cidade: a escritora acusara de censura a direção do Teatro Municipal, por ter impedido a distribuição da folha de sala, com um texto seu (facto que a direção do teatro veio a assumir como "erro", mas sem a intenção censória).

Os Artistas Unidos levam "Uma Solidão Demasiado Ruidosa", sobre a novela do escritor checo Bohumil Hrabal, adaptada e interpretada por António Simão; e a companhia Barba Azul apresentará "Turma de 95", de Raquel Castro, um "retrato sociológico desassombrado", de Portugal, nos anos de 1990, numa coprodução com o Teatro do Bairro Alto, de Lisboa, o Espaço do Tempo, de Montemor-o-Novo, o Centro de Artes de Ovar e o Teatro das Figuras, de Faro.

O Teatro do Bairro regressa a "O Mundo é Redondo", de Gertrude Stein, numa encenação de António Pires; e o Teatrão, com "A Grande Emissão do Mundo Português", expõe a propaganda, a censura e a instrumentalização dos meios de comunicação, que iludiram os crimes da ditadura portuguesa, até ao 25 de Abril de 1974.

Em Almada será retomada a encenação de João Botelho para "A Criada Zerlina", de Hernmann Broch, que Luísa Cruz interpretou, na temporada passada, no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, num cenário do escultor Pedro Cabrita Reis.

O ator e encenador André Murraças repõe em palco "O Criado", de Robin Maugham, sobre a artificialidade dos papéis sociais, peça conhecida pela versão para cinema do dramaturgo Harold Pinter e do realizador Joseph Losey.

O Teatro D. Maria muda-se para Almada com "By Heart", do seu diretor artístico, Tiago Rodrigues, que desafia dez espetadores a aprenderem um poema de cor ('by heart'). A peça tem proximidade à obra do ensaísta George Steiner (1929-2020), para expor a importância da palavra na transmissão da memória do mundo.

O Nacional São João apresenta "Castro", sobre o clássico do século XVI, do poeta António Ferreira, encenada pelo diretor artístico, Nuno Cardoso.

A CTA, além da estreia, repõe "A Viagem de Inverno", da Nobel da Literatura Elfriede Jelinek, dirigida por Nuno Carinhas.

Do estrangeiro vêm os espanhóis La Tristura, de Madrid, e a dupla Agnès Mateus e Quim Tarrida, além do ator italiano Mario Pirovano.

La Tristura oferece "Future Lovers", encontro de seis 'millenials', num texto de Celso Giménez, e a dupla catalã Mateus e Tarrida aborda a violência doméstica em "Rebota, rebota y en tu cara explota".

Pirovano fará o monólogo "Johan Padan à Descoberta das Américas", do dramaturgo Dario Fo, Nobel da Literatura de 1997, antiepopeia cómica sobre um perseguido pela inquisição, que foge numa nau de Colombo.

Ao todo serão 17 espetáculos, em 90 sessões repartidas por cinco palcos de Almada (Teatro Municipal Joaquim Benite, Fórum Municipal Romeu Correia, Incrível Almadense, Academia Almadense e Teatro-Estúdio António Assunção) e um em Lisboa (CCB). Desta vez, sem a Escola D. António da Costa, nem outros palcos na capital.

As questões sanitárias também impuseram um calendário mais alargado, que agora se estende por quase todo o mês de julho, com o dobro do número habitual de sessões.

A programação completa está disponível em www.festival.ctalmada.pt.

O cartaz foi concebido pelo artista plástico Pedro Proença.

O Festival de Almada é uma organização da CTA com a Câmara Municipal.