Lixo e excrementos são marcas do autocaravanismo selvagem e impunidade permanece

09-09-2019

Vestígios de fogueiras em pinhais, restos de lixo e de excrementos humanos são marcas do autocaravanismo selvagem, que os vigilantes da natureza querem combater nas zonas costeiras do Algarve e do Sudoeste Alentejano.

A praia do Amado, no concelho de Aljezur, distrito de Faro, e o pinhal do Beliche, no concelho vizinho de Vila do Bispo, são alguns dos pontos negros do autocaravanismo selvagem, disse à agência Lusa o vice-presidente da Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza (APGVN), Marco Silva.

"É um problema que se tem vindo a agravar nos últimos anos e as várias entidades não têm feito o suficiente para minimizar o impacto negativo que existe", apontou.

O problema do autocaravanismo selvagem, referiu, é visível por toda a região litoral do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina (Algarve), apesar de, nos últimos tempos, terem aumentado "a capacidade e os meios de fiscalização".

O representante da APGVN relatou situações em que são encontrados pelos vigilantes vestígios de fogueiras em zonas de pinhais e restos de lixo, papel higiénico, garrafas e plásticos.

"O areal também é usado como casa de banho. Vivemos numa era em que a sensibilidade das pessoas ainda é muito reduzida", apontou.

No seu entendimento, um dos principais problemas reside na dificuldade em "penalizar os infratores", sobretudo aqueles que são de nacionalidade estrangeira.

"Os autos de notícia são levantados, quer pelos vigilantes da natureza, quer pela GNR, mas depois existe uma incapacidade, por parte dos serviços, de instruir todos os processos de contraordenação, principalmente porque a maioria destas infrações são cometidas por cidadãos estrangeiros", lamentou.

Nesse sentido, defendeu a necessidade de se alterar a legislação, de forma a prever que os infratores tenham de pagar as multas na hora.

A medida é defendida igualmente pelo major Ricardo Vaz Alves, do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), que admitiu a existência de "um sentimento de impunidade" por parte de alguns infratores.

"O auto é levantado, mas a tramitação não de faz sentir imediatamente nos próprios visados. Isso gera um sentimento de impunidade", reconheceu Ricardo Vaz Alves.

Segundo dados divulgados pela GNR, entre o início deste ano e o dia 27 de agosto foram registadas em Portugal 206 infrações cometidas por caravanistas, a maior parte delas (98) ocorridas no distrito de Faro.

No segundo lugar da lista de infrações está o município de Leiria (49), seguindo-se Setúbal (29), a ilha de São Miguel, nos Açores (18), Beja (oito), Portalegre (três) e Castelo Branco (um).

No entanto, ressalvou Ricardo Vaz Alves, a tendência tem sido para uma redução do número de infrações, uma vez que o número registado em 2018 foi de 385 e em 2017 tinha sido de 417.

Oferta para autocaravanismo é reduzida no Algarve e os parques ilegais proliferam

Silves, Vila Real de Santo António e Albufeira são os municípios algarvios que melhores condições têm criado para a prática do autocaravanismo, segundo a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, que considera a oferta regional reduzida.

"De uma forma geral, a oferta regional continua a ser reduzida. Os parques ilegais proliferam e o autocaravanismo selvagem está de novo a ganhar expressão", refere a CCDR, numa resposta escrita enviada à agência Lusa.

Segundo o organismo público, os municípios de Silves, Vila Real de Santo António e Albufeira são os que melhor têm tratado o tema do autocaravanismo, enquanto nos concelhos de Faro, Tavira, Portimão, Lagoa, Lagos, Loulé, Olhão e Castro Marim "subsistem grandes problemas".

Pelo meio encontram-se os municípios de Aljezur, Vila do Bispo e São Brás de Alportel que, segundo a CCDR, "estão a dar os primeiros passos".

A CCDR alerta para o facto de a oferta ilegal e as práticas de autocaravanismo selvagem não acautelarem as "questões ambientais, de segurança, da fiscalidade, de igualdade de oportunidades", fomentando também a concorrência desleal.

"Temos procurado discutir com as entidades regionais competentes, nomeadamente com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, com a GNR e com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. Há um trabalho em perspetiva, já iniciado, mas cujos tempos de atuação são muito morosos e díspares", refere.

Relativamente à oferta de áreas de serviço para autocaravanas (ASA), existem muitos particulares interessados em criar estes espaços, mas os municípios criam "entraves" aos processos de licenciamento.

No que diz respeito à legislação atual, a CCDR considera que se registam problemas relacionados com o cumprimento e articulação de diplomas legais.

"Fundamentalmente, o acompanhamento e monitorização das políticas, ações, medidas e iniciativas públicas, que urge esclarecer e concertar", defende.

Segundo dados da comissão de coordenação, que se encontram disponíveis na internet (https://www.autocaravanalgarve.com/), existem atualmente no Algarve 29 locais "preparados e equipados para o acolhimento de autocaravanas, de acordo com as normas e requisitos legais, sendo os únicos onde está autorizada a estadia e a pernoita".

Os municípios algarvios com mais unidades autorizadas são os de Silves (oito), Albufeira (três) e Vila Real de Santo António (três).

Seguem-se Vila do Bispo, Olhão, Tavira e Lagos, com duas unidades, possuindo os restantes municípios uma unidade de apoio ao autocaravanismo.

Associação quer mais infraestruturas de apoio para evitar caravanismo selvagem

A falta de infraestruturas de apoio e de uma estratégia turística são alguns dos motivos evocados pela Associação de Caravanismo de Portugal (CDP) para o crescimento do autocaravanismo selvagem, sobretudo no Algarve e no Sudoeste Alentejano.

"Portugal não está preparado para o autocaravanismo. É um fenómeno para o qual Portugal não se preparou, ao contrário do sul de França, de Espanha, que criam áreas de serviço e regulamentam o autocaravanismo", afirmou à agência Lusa Luís Teixeira, da CDP.

O representante acusa os municípios de não criarem infraestruturas legais de apoio ao caravanismo, optando pela "proibição pura e dura".

"Eles vão pelo mais fácil e proíbem de forma totalmente discriminatória. Os autocaravanistas preferiam ir para zonas com todas as condições. Por isso, deviam dar as condições e depois é que deviam existir as proibições", defendeu.

Um dos municípios que tomaram medidas para regular o estacionamento de autocaravanas foi o de Sines, no litoral alentejano, que proibiu a circulação destes veículos no perímetro urbano da localidade de Porto Covo.

Para Luís Teixeira, este tipo de medidas e de proibições demonstra que os municípios e as entidades responsáveis "ainda não perceberam a importância que o autocaravanismo tem para a economia local".

"O autocaravanismo fora dos períodos de grande turismo vai alimentando muitas das zonas, em termos de comércio local. Por isso, o seu impacto não deve ser descurado, pois ajuda as localidades e pode ser uma importante fonte de receita", argumentou.

Relativamente à forma como a atividade está a ser fiscalizada, o responsável da CDP queixa-se de que "existe uma dualidade de critérios, dependendo se é verão ou inverno".

"No inverno, como há pouco turismo, as autocaravanas são bem-vindas e vão fechando os olhos. Na altura do verão, quando já há muito turismo, não as querem ver lá", explicou

No entanto, Luís Teixeira referiu que, no sentido inverso, alguns municípios do interior do país, assim como parques de campismo dessas regiões, "têm olhado com outros olhos" para o autocaravanismo e criado as condições para atrair este tipo de turismo.

Em agosto, o parque de campismo de Idanha-a-Nova, no distrito de Castelo Branco, anunciou que iria investir 130 mil euros no reforço das condições de autocaravanistas.

O projeto tem por objetivo desenvolver uma rede de infraestruturas de apoio. Em concreto, pretende-se a remodelação da área de serviço para autocaravanas, mas também a reabilitação da receção, de um balneário e do minimercado, convertendo-o numa montra de produtos locais e de promoção do território", explicou na altura o município.

Outro exemplo de aposta feita no interior foi a criação de uma rede de apoio em 27 concelhos do Alentejo e do Ribatejo, abrangendo os distritos de Beja, Évora, Santarém e Portalegre, num investimento de cinco milhões de euros.

A rede, constituída por 39 estações de serviço, integra os municípios de Alandroal, Almeirim, Almodôvar, Alter do Chão, Alvito, Avis, Beja, Borba, Cartaxo, Castelo de Vide, Coruche, Crato, Ferreira do Alentejo, Gavião, Grândola, Mértola, Monforte, Moura, Mourão, Odemira, Ponte de Sor, Portalegre, Rio Maior, Serpa, Vendas Novas, Viana do Alentejo e Vila Viçosa.

Numa resposta escrita enviada à Lusa, a Secretaria de Estado do Turismo refere que o Governo está a proceder à instalação de redes de áreas de serviço e de áreas de estacionamento de autocaravanas em todo o país.

Segundo dados da tutela, estão atualmente em desenvolvimento 50 novas unidades, 39 delas na região do Alentejo.

O Governo acrescenta que estão a ser colocados barreiras ou pórticos para impedir a passagem e o estacionamento de autocaravanas em locais identificados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e pelas câmaras municipais.